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Em busca da salvação: cresce o consumo de música gospel durante a pandemia

  • Foto do escritor: Prosélita | Vida Cristã
    Prosélita | Vida Cristã
  • 23 de nov. de 2020
  • 7 min de leitura

Enquanto 2020 foi um péssimo ano para diversos tipos de serviço, a indústria da música gospel encontrasse em ascensão com mensagens de esperança e utilizando-se da modernidade e juventude

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Uma obra de arte tem valor em si mesma. […] É algo a ser apreciado. A bíblia diz que as obras de arte no tabernáculo e no tempo estavam lá pela beleza. […] Como cristãos, sabemos por que uma obra de arte tem valor. Primeiro porque uma obra de arte é uma obra de criatividade, e a criatividade tem valor porque Deus é o criador. […] Em segundo lugar, uma obra de arte tem valor como criação porque o homem é feito à imagem de Deus e, portanto, pode não apenas amar, pensar e sentir emoções - ele tem também a capacidade de criar. - Francis Schaeffer, livro "A arte e a Bíblia"

Mais de 160 mil vidas perdidas através do coronavírus em 2020, apenas no Brasil. Por mais que não possamos enxergar esse número e ver cada uma dessas pessoas que se foram cedo demais, é impossível viver neste ano sem sentir a inquietação, o medo e a tristeza que paira na vida de pessoas que conhecemos, nos estranhos, ou até em nossa própria vida. Manter-se positivo e otimista durante esse período foi uma tarefa difícil, mas necessária para permanecer com a cabeça no lugar e o coração com esperança de dias melhores. Este ano a fé de muitas pessoas foi abalada, enquanto a de outras foi ainda mais fortificada. Com as igrejas paradas e os fiéis afastados de cultos e missas, era importante se agarrar a toda forma de conexão com a palavra, enxergar a luz nas sombras, então não é difícil de imaginar o porquê da explosão da procura por música gospel desde o início da pandemia.


Segundo dados divulgados pelo Google, houve um crescimento de 200% na busca por termos ligados à música cristã no mundo durante a quarentena. O gênero que já é extremamente popular (o Brasil é o segundo maior consumidor de música gospel, ficando atrás apenas dos Estados Unidos) pode ser encontrado em diversos estilos musicais: clássico, rock, sertanejo, entre outros, o que atrai um número ainda maior de ouvintes diversificados que buscam uma mensagem de crença, adoração e louvor a Deus.


"O gospel está em plena transição para o digital, antes o consumo estava focado na mídia física, como CD e DVD", explica Adailton Moura, autor do livro "A Indústria da música Gospel", sobre esse crescimento do gênero, "Em 2019, este foi o segundo gênero musical que mais cresceu no Brasil nos streaming de música, ficando atrás apenas da música sertaneja. O crescimento desses números ainda mais na pandemia deve-se ao tipo de mensagem que a música gospel transmite. Neste período, as pessoas querem ouvir mensagens positivas, algo que traga um alento, um conforto. E as letras cristãs, principalmente as mais recentes, cumprem esse papel porque compartilham a positividade do evangelho de Cristo, como amor e esperança. E também servem como inspiração, autoajuda e fortalecimento. Chega a ser uma válvula de escape da realidade. É como se as pessoas buscassem respostas para o futuro. E essas letras, baseadas na Bíblia, mostram que há solução para o problema, e que em algum momento essa tempestade vai passar."


As artes são descritas há séculos na Bíblia: arquitetura, esculturas, poesias, músicas, etc, como vindas de Deus e apreciadas por ele, como é explicado por Francis Schaeffer em seu livro "A arte e a Bíblia". Ele afirma que Deus criou o homem todo, sendo assim, seu intelecto e sua criatividade também devem ser considerados pelo cristianismo, não tratando artes como descartáveis e supérfluas. Em seu livro, Francis discorre sobre a importância e a necessidade das artes serem usadas para glorificar a Deus "não simplesmente como propaganda evangelística, mas como algo belo para a glória de Deus. Uma obra de arte pode ser, em si, uma doxologia"


A arte bem intencionada, nobre e moralmente boa traz uma conexão diferente com a mensagem do Senhor. Trabalhando de jeito diferente dentro do ouvinte, as músicas são sentidas de outra forma dependendo de quem escuta e em qual momento da vida é escutada. Os seres humanos são os únicos animais capazes de, racionalmente, criar arte, tendo o instinto de deixar marcado nossa existência desde antes de existir a escrita. É natural do homem. Dessa forma, é possível perceber que a palavra ecoa com mais força em formato de arte, amplia-se. Quando um artista canta palavras de esperança, de conforto, de vitória e interpreta versículos da Bíblia, a experiência fortalece a fé. Não é surpreendente a procurar pela música durante a batalha. Na Bíblia, a música acompanhou libertações, momentos de adoração, de felicidade e de tristeza, sendo utilizada também como forma de comunicação e muito mais.

A música foi dada pelo próprio Deus para preencher um propósito educacional. Em Deuteronômio 31:19-22, o Senhor deu a Moisés a ordem para escrever um cântico e ensiná-lo aos filhos de Israel, com o propósito explícito de fazer com que Israel se lembrasse através daquele cântico aquilo que Deus havia feito por eles. […] Ela ilustra uma conscientização do poder da música para intensificar e aprofundar uma experiência no coração. Este evento também indica que, na mente do autor bíblico, o próprio Deus é a origem da música e do uso da música. Mas também delega a tarefa de transmitir este dom a indivíduos que sejam capazes de fazer bom uso dele. - Liliane Doukhan, site "Música Sacra e Adoração"

"Esse tipo de direcionamento faz parte da estrutura do gospel, desde o seu desenvolvimento na cultura afro-americana durante a escravidão. A palavra de Deus servia de referência para uma 'fuga' daquele momento de tristeza e dor. Os personagens bíblicos e as vitórias conquistadas pelo povo hebreu, principalmente na libertação da escravidão no Egito e a travessia do Mar Vermelho." contextualiza o autor Adailton Moura.


É importante compreender também que essa arte bem intencionada tem que ser entendida não apenas do ponto de vista de produção, mas também de consumo. Como dito antes, não é incomum aumentar a procura pela palavra de Deus durante dificuldades, mas até onde procurar à Deus apenas durante momentos difíceis, em busca da salvação, sem um relacionamento constante com o Senhor, é um fazer genuíno e não apenas desesperado? Seguir os ensinamentos e colocar em prática aquilo que está na Bíblia devem ser atos cotidianos, um hábito e não um hobbie, para que as palavras ditas nas músicas não entrem por um ouvido e saiam pelo outro.


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Novas táticas criativas e de marketing estão sendo utilizadas para conquistar um público mais jovem e mais disperso de prática religiosas, também servindo para atrair mais fiéis, fazendo crescer em 2020 nomes mais modernos como Priscilla Alcântara que, junto com o comediante e youtuber Whindersson Nunes (conhecido do público juvenil), fizeram a música "Girassol", lançada em dezembro de 2019, uma das mais reproduzidas deste ano.


Artistas com linguajar jovem, participação ativa nas redes sociais e engajados em assuntos políticos e sociais são características de alguns desses novos artistas que ascendem no gospel. Dessa forma, abre-se um espaço no mercado para novas vozes e para mais diversidade, algo que não era visto há alguns anos. É pertinente encarar esse novo perfil como uma resposta do público ao antigo cenário musical e à própria estrutura da Igreja, que por tanto tempo tinha se mantido distante desse nicho, discriminando em vez de acolher. A representatividade é uma discussão atual e necessária, e é possível perceber que essa nova fase altera o típico homem branco que era visto, principalmente na mídia e em produções audiovisuais, como a voz dessa mensagem para um representante mais plural, multidimensional e vindo de realidades diferentes. Essas diferenças agregam ao discurso e expandem a compreensão da religiosidade. Apesar de sermos todos iguais perante a Cristo, aceitar as individualidades de cada um, respeitando seu contextos, é primordial para a evolução desse diálogo.


"Essa 'renovação' está abrindo novas possibilidades para que a música gospel saia das quatro paredes da igreja, do nicho evangélico, e atinja o público 'secular'", afirma Adailton Moura, "Isso tem acontecido nos últimos anos com a Priscilla Alcântara, Preto no Branco e Clóvis Pinho. Com letras menos dogmáticas, sem usar a linguagem que só é entendida entre os cristãos, eles conseguem atingir pessoas de várias realidades e religiões. Isso é muito bom, porque o evangelho chega a mais pessoas. E essa sempre foi a proposta inicial, principalmente no início dos anos de 1990, quando a música evangélica se transformou e ficou conhecida como gospel. Mas por causa de questões mercadológicas nos anos 2000 se voltou para a 'bolha cristã'. E quando isso acontece, as letras se tornam menos poéticas e mais religiosas. Foi um período de 'pasteurização' musical com temáticas repetidas e focadas no ego. Com esses novos artistas, o direcionamento tem mudado. Isso tem contribuído para que o raio de extensão aumente, atingindo pessoas, em especial os jovens, que antes não gostavam da música evangélica. É o início de uma segunda onda dessa ascensão iniciada nos anos de 1990, que com o digital vai chegar a muito mais ouvintes."


Apesar dessa modernização do gospel atual, Adailton pontua que nem sempre mudanças em uma estrutura fundamentalmente conservadora é bem recebida. "Há uma parte dos evangélicos que não tem gostado do tipo de música que esses artistas têm feito. Recentemente, o Preto no Branco e o Pregador Luo receberam diversos ataques nas redes sociais por defenderem causas relacionadas ao racismo e a homofobia. Foram duramente criticados porque o 'público' não aceita o tipo de mensagem que eles estão abordando, como se ela não se conectasse com o evangelho de cristo que sempre prega o amor."


Com a diminuição dos casos de COVID, as expectativas e planos para retomada de eventos musicais como festivais e shows voltavam a surgir, mas com uma possível segunda onda se alastrando pelo país, é difícil saber ao certo o que pode acontecer no futuro. Porém, Adailton deixa claro que os próximos passos para esse gênero ancestral é a modernidade.


"A covid gerou um prejuízo para todo o cenário artístico, porque boa parte da renda vinha de shows. No gospel não foi diferente. Assim como os da música secular, os artistas gospel tiveram de buscar alternativas, como as lives. O pós pandemia ainda é incerto. Mas há uma expectativa para que o consumo de gospel nas plataformas digitais aumente ainda mais. Por isso, os artistas e gravadoras estão se movimentando para incentivar cristãos a ouvirem as músicas no digital, uma prática que demorou para cair nas graças dos evangélicos. Também acredito que os grandes festivais vão abrir mais espaço para os cristãos, principalmente para essa nova geração."


Por: Giovanna Lira

20/11/2020, 15h.


REFERÊNCIAS



SCHAEFFER, Francis. A arte e a Bíblia. Editora Ultimato. 2009.




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